I don't wanna be kept, I don't wanna be caged, I don't wanna be damned, oh hell I don't wanna be broke, I don't wanna be saved, I don't wanna be S.O.L. (Neon Tiger, The Killers)

Tuesday, May 10, 2011

Joh and a Dark





- Joh, todo mundo me chama de Joh. É  de Joana, eu acho.
- E o que você faz Joana?
- Joh, eu prefiro Joh,doutor, tenho medo de Joana.
- O que você faz Joh?
- eu? Eu espero.
- como assim espera?
- Desde que eu nasci. Quer dizer... Antes de eu nascer. .. Eu esperei nove meses sabe... Pra nascer de verdade... nove meses...   Eu esperei... Desde sempre.
- E houve alguma vez em que foi difícil pra você esperar?
- Uma vez. O Alferes. Ele foi para a Guerra. Foram dez anos. Disse que quando voltava a gente casava.
- É. É difícil quando o amor nos faz esperar.
- Não. O amor não faz a gente esperar. As pessoas é que fazem.  
- É difícil esperar por alguém. Ele não voltou?
- Não voltou. Quem voltou foi a carta.
- Pensando assim, é verdade. O que dizia a carta?
- A carta diz que ele morreu.
- A morte é mesmo uma dura realidade.
- Não doutor. O duro é esperar o Alferes voltar, e voltar a carta.
- Mas e depois Joh, o que aconteceu?
- Depois? Bem, depois eu esperei.
- Esperou o que? Se o alferes não ia mais voltar?
- Aí foi o mascate. Meu pai achou que era uma profissão mais segura. E eu casei. Ele viajou pra vender. E eu esperei ele, quando voltasse da venda me levava. E eu esperei.
- Esperou quanto tempo?
- Ele ia e vendia, doutor. Depois voltava e me buscava. Passou um ano. Aí vendia menos. E voltava a vender.  Dois anos. Eu esperava.
- E você ficou aqui?
- Eu espero doutor. Estou ainda esperando.
- Mas Esperando o que Joh? Acha que ele volta?
- Não. Ele escreveu. Não volta mais não. Foi pra São Paulo. Tem família lá agora. Escreveu tem um ano.  De novo a carta veio e as gentes não. Não quer mais saber daqui.
- De novo a carta. E agora Joh?
- Agora eu espero.
- Mas Joh, isso a gente já entendeu, mas porque o pessoal daqui acha que você é assim especial?
- Bem... As pessoas acham... Bem elas acham que se você espera... Bem, e eu espero... Bom, Elas querem que eu ensine... que... bom, que você consegue alguma coisa, sabe... Elas querem conseguir... Querem que eu ensine... elas acham que é a tal da paciência...
- E você vai ensinar?
- Não posso, doutor... Espero meu filho. Meu filho crescer. Ele é o meu milagre doutor...
- Milagre, Joh. Explica essa história?
- O nome dele é Armagedon, doutor.  Eu ouvi. Nome bonito. Ouvi um dia doutor. Não sei onde foi. Nem quem me disse. Ouvi de alguém.
- Armagedon? Porque Armagedon?
-Porque ele vai acabar com toda essa espera doutor. Eu sei que vai.
E o repórter olha a senhora nos olhos, parece que ela escuta um canto que só a ela alcança e seu rosto resplandece de luz sobre as rugas profundas marcadas pelo sol do sertão.

Anfritrius











Severine corria e flutuava entre valerianas e mares de púrpura e dourado que cheiravam a chocolate e violetas e genciana que manchavam seus pés.
Acordei. A madrugada fria no escuro sob meus pés quando me levantei da cama. Caminhei sonambulamente até a cozinha, tudo por um copo de leite morno. Meu estômago doía do sexto café da tarde conturbada de trabalho.
Ao passar pelo banheiro um ruído de alegria noturna me tirou do torpor do sono roxo em que me encontrava. Acendi a luz do cubículo e demorei uns segundos para divisar as sombras borradas das coisas entres os azulejos brancos.

Nami, A Bela, agachada em uma postura brincante abanava a cauda feliz e sorridente. Alejandro, O Mau observava olhando de um lado para o outro entre frustrado e curioso.
Um rato-visitante se encontrava à frente dA Bela. O ser inerte, ainda quente, e ela tentava sem sucesso fazer com que o brinquedo voltasse a funcionar.
Entre impaciente e divertida espantei os brincantes. O fiz, não porque estivesse realmente brava. A Bela me olhava esperando o reconhecimento de seus talentos de anfitriã, que premiei com um afago rápido. Precisava  recolher o rato-corpo em um pequeno plástico branco que depositei na lixeira ao lado da cerca antes de voltar para meu sono de chocolate e mercúrio.   
Descartado o visitante, lavei cuidadosamente as mãos e me dirigi à cozinha. Meu estômago àquela altura necessitaria de dois litros de leite ou um antiácido. Antiácido, sim.

Voltei para a cama pensando em visitas inesperadas, não porque fossem muitas, mas porque talvez tivessem o mesmo destino do brinquedo-rato.
Pela manhã, saio para buscar o jornal. A Bela ao lado da porta me fitava com seus olhos dourados um tanto sonolentos da quentura boa do sol no capacho. Como vencera as telas nas janelas e as portas fechadas era um mistério.

Encaminhei-me para dentro e dei de cara com O Mau. Deitado no sofá, ronronava inocente enquanto brincava com as franjas da cortina.

Ao me desfazer do lixo do dia anterior. Olhei mais uma vez o saquinho contendo os restos do nosso hóspede da noite anterior. Me surpreendi com o meu sarcófago de prêmios felinos vazio. Revistei-o brevemente à procura de furos ou rasgos. Talvez um outro gato, ou o cão do vizinho. Nada.

O plástico parecia ainda mais branco e reluzente. Porém nada havia nele. O pequeno cadáver visitante havia desaparecido.

A Bela, agora ao meu lado, me fitava imperturbável com seu olhar cor de ouro velho.

Como soubesse tudo desde o início dos tempos. Lambia lentamente a pata direita. Cruelmente serena, voltou-se para a casa e pôs-se a marchar em direção à porta. No meio do trajeto, voltou-se para olhar para mim, numa interrogação firme porém suave. Por via das dúvidas, achei melhor obedecer!

Thursday, May 05, 2011

Elefante




Marco entra em casa espavorido. Marina ergue os olhos das contas sobre a mesa e tenta entender o que ele diz com voz atropelada. Ela consegue distinguir apenas a palavra Elefante.
 _Marina, Ganhei um Elefante!
 _Mas, Marco, um Elefante!?
 _É Marina, um Elefante Branco.
Marina se perguntava se aquilo era uma brincadeira, vasculhou a expressão de Marco procurando indícios da explosão de risos que viria a seguir. Nada. Marco continua com expressão extasiada com que chegara. E repetia que sempre quisera um Elefante, e seu sonho havia se realizado. 
O apartamento. Marquinhos dissera uma vez que queria um dinossauro para criar na varanda do apartamento, o que ele acharia do Elefante do pai? Marina pensava longe, lembrando de Marco dizendo que animais davam trabalho, sujavam as ruas, que não entendia como pessoas podiam ter bichos em apartamentos.
  _Marco, mas, um Elefante no apartamento? Nós mal temos espaço para nós e o Marquinhos...
  _Nós podemos colocá-lo na garagem Marina, pense Marina, um Elefante, só nosso, o Marquinhos vai adorar!
Passando os dedos displiscentemente pelas contas do supermercado sobre a mesa, Marina pensava em novos argumentos. Mas Elefantes não viviam assim em garagens, ele viviam em lugares próprios e faziam cocôs enormes e precisavam ser lavados. Quem iriam lavar o Elefante? O que será que um Elefante comia?
 _Marco, o que o seu Elefante come? Quer dizer, ele deve comer muito não? E quem vai cuidar dele? Agora com você fora da lanchonete não temos muito e...
 _Marina, É um Elefante, não vê? Daremos o que tivermos, o que sobrar da feira, daremos um jeito, quantas pessoas você conhece que ganharam um Elefante?
 Marina se levanta e guarda os remédios de Marquinhos no armário, ainda tentando pensar em um argumento que faça Marco não trazer seu Elefante para casa. Não que ela não quisesse que ele tivesse um Elefante, ele parecia tão feliz. Mas não parecia que ela pudesse cuidar de mais alguém.
 _Mas, Marco, Eles vivem em bandos não? Não vai ficar triste sozinho aqui? E se o vendêssemos para um circo? Lá tem muitos elefantes.
_Marina, por Deus, Marina, será que você não vê a oportunidade? Teremos um elefante. Nunca tive nada de meu. Agora tenho. Sempre quis ter um Elefante. Já contei que ele é Branco?