I don't wanna be kept, I don't wanna be caged, I don't wanna be damned, oh hell I don't wanna be broke, I don't wanna be saved, I don't wanna be S.O.L. (Neon Tiger, The Killers)

Saturday, December 10, 2011

Repeitem meus cabelos, e ainda mais a minha inteligência, por favor!



Tá, ok. Todo mundo falando do caso da Ester, estagiária da Anhembi que teve o cabelo criticado por características raciais. Racismo claro e simples? Dresscode da empresa? Opiniões é o que não faltam pra justificar o absurdo e cada vez mais a relativização toma conta dos discursos.

O que reparei nesta discussão, e que ninguém está linkando ainda, é o porquê as caracterís físicas raciais de alguém são tão ofensivas para algumas pessoas e em alguns contextos. E o babaca de um blog valida o critério de exclusão dizendo que 'a vida é assim', que a empresa tem o direito de exigir um dresscode ou um estilo específico que represente a empresa.

Porque o fenótipo negro não representaria uma empresa? O que há nele de tão danoso à imagem?

Entre outras mil coisas que eu faço pra ganhar a vida está a profissão de maquiadora. Quantas vezes já ouvi, ao entrar num salão, a frase "Você já pensou em fazer escova progressiva?". Minha resposta padrão seria "Não, E você já pensou em fazer clareamento anal?".

Isso sem falar nas tantas as vezes em que 'profissionais' se recusam inclusive a cortar, ou fazer qualquer procedimento no meu cabelo se o pacote não incluísse uma escova 'básica' para 'diminuir o volume' ou 'soltar os cachos', eufemismos para alisamento.

Casos como o da Ester,e o meu, acontecem o tempo todo.

Cobrir os quadris. Essa parte é interessante. Em meu primeiro emprego, minha chefe me disse uma vez que era para que eu usasse blusas mais compridas porque eu 'era muito bonitinha' e os clientes ficavam olhando. Oi? Seu cliente babão está assediando uma funcionária menor de idade e a culpa é dela? Tinha e tenho até hoje bunda grande, fazer o quê? Cortar? No way!!! E olha que saias no joelho e de modelagem larga eram padrão na empresa.

Mais  alguns casos: esta semana tive que mudar meu trajeto normal da linha vermelha do metrô para as linhas verde e azul, por compromissos de trabalho. Em duas ocasiões percebi algum tipo de comportamento racista. Um dia, uma dupla de senhoras que conversava animadamente baixou a voz e trocou de lugar, indo para a parte da frente do vagão apressadamente, incomodadas com a minha presença ali. Na segunda, ofereci meu lugar a uma senhorinha visivelmente acima dos setenta anos e ela olhou pra mim assustadíssima e saiu do trem.

E não, eu não sou feia de doer, muito menos ando por aí com uma máscara de Freddie Kruegger.
Agora porque para algumas pessoas ua negro é ameaçador? Sinônimo de feiúra, agressividade, ou no caso da Ester, de falta de cuidado.


Será o estereótipo do branco, bom e bonito não contribui e muito para isso? Será que o bombardeiro de mocinhas de novela brancas, com olhos claros e romanticamente estúpidas não entra nisso não? Quantos Outdoors vocês veem por aí associando a pele escura a algo agradável, sem ser comercial de cerveja ou sexualização carnavalesca?


Porque, além da mercantilização da imagem do branco, bom e bonito, temos a questão da oversexualização da mulher negra.Quantas propagandas por aí dizem que cabelos etnicos precisam de controle? E os editoriais de moda que sempre associam cabelos crespos aos adjetivos 'selvagem' 'sexy'? Será que é coincidência negras serem associadas a café (bebida quente e forte) ou bebidas como a caipirinha (mulata brasileira é o sensual tipo exportação), e nesse caso até ganhamos o status de 'produto nacional'. Produto? Oi?

Sorry, babe! Emprestei meu fio dental de strass pra sua mãe...

 Se a libido feminina já é, num contexto patriarcal, passível de controle, imagine uma sexualidade feminina nesses moldes, que comoção não causaria?









O fato é, que se Ester exagerou ou não, não cabe a mim julgar. E, indo ainda mais longe, se o discurso da Ester foi contruído ou não, eu não sei. Mas com certeza o da diretora da escola foi. E não foi por nós duas.

Friday, November 18, 2011

In vino veritas


 Um querer doído. De urgência e de sede.

Não posso evitar.

De fome e de verdade.


De quando já não sei mais onde começa o eu e termina você.

Decido que quero.
Quero meus dias liquefeita no seu corpo.
Me quero esmagada por suas mãos como uvas de um vale.
Escorrer em ti como vinho de uma safra boa .
Quero me fundir na sua pele.
Que mores em mim. Que me derrames sobre o corpo toda a vontade que tiveres.
Seu mel e sua mágoa. Seu sorriso e seu suor.
Me quero em teus olhos.
Que eu percorra o mundo inteiro. Que as lãs do inverno me cubram.
E que me vejas.
Linda e nua, vestida apenas com seu cheiro.

Sunday, November 06, 2011

Das grandes coisas que eu ainda não sabia sobre ele...ou sobre mim...



Não sei bem definir porque me sinto assim.
Se é porque ele beija de um jeito que não me deixa pensar. Se é porque ele é capaz de invadir meus locais sagrados, onde apenas meus amigos, loucos como eu, têm a permissão de ir. Se é porque ele viu a partir do melhor ângulo, a minha vontade em estado bruto. Se é porque minha liberdade não o aprisiona.

O riso é fácil. Os assuntos podem surgir do nada. Ou não surgir, seriam invariavelmente interrompidos por um beijo. Já conhecemos piadas, filmes, contextos, até algumas histórias..

No exato momento em que as mãos dele tomaram conta do meu corpo. Senti que era ali que deviam estar, talvez desde o início da noite, talvez desde o início do mundo.

Tudo era muito novo. Exceto a inefável sensação de algo doce, quente e estranhamente familiar. Uma força sutil revelada de repente, uma vontade maior que apenas transparecia.

Apesar disso, muitas vezes é difícil pensar, agir ou escolher o que dizer. Não sei bem agora qual o tempo dessa história. O de antes ou de depois do pulo.

Mas conversar com ele horas após um almoço ainda é incrível. E hoje o sorriso dele tem alguns encantos a mais pra mim. Adoro o jeito como os olhos dele quase fecham quando ri. E como o cheiro dele permanecendo em minha mente por um longo tempo.

E descobrir tudo isso já não é em sim algom bom? Não sei. O tempo nos pregou uma peça.


Nos precipitamos? Talvez. Houve o tempo que não pensava nele como agora.
Tenho certeza, nos precipitaremos um no outro ainda algumas vezes. E como todo precipício, ninguém sabe muito bem onde ele termina. E nesse mundo em que nem todos nascemos de paraquedas, não tenho muito medo, não.
Nasci felina,  caio de pé

Tuesday, August 23, 2011

Wednesday, August 10, 2011

Da Posse, da Falta e de outras drogas...


Porque eu conheço gente que precisa de muita coisa. Tem gente até que precisa de um amor.
Todo mundo conhece alguém assim. Estamos na era da eficiencia. Do 100% de aproveitamento. Ser bem sucedido depende de vários aspectos estarem em ordem: trabalho, estudos, e até, pasmem, amor! 
É NECESSÁRIO ter um amor. E não só se precisa ter um amor, como e preciso mantê-lo vivo, satisfeito, cultivá-lo, ser bom amante e até, se der tempo, ser feliz com ele.

Mas, me virão dizer alguns que querer assim digamos, um 'alguém' para amar não é uma coisa tão ruim.
Não, não é. Exceto pelo fato de que quem ama por necessidade não ama ninguém. Porque a necessidade estar amando não é uma coisa simples. Uma necessidade boba e pronto! Quem precisa, precisa de algo.

A questão que surge neste caso é a seguinte: do que eu preciso?? Ou melhor De 'quem' eu preciso? OU indo ainda mais longe: "O quê" eu vou amar?  

Essa coisificação amorosa funciona não só sintaticamente. Semanticamente também. Quem precisa, precisa! Que se preencha uma ausência (consciente ou não) de algo que lhe falta.
É então necessário um objeto de amor. E não um objeto qualquer. Um alguém-algo que caiba naquela falta. Afinal script do seu amor está ali. Receitinha de bolo com a sequencia de ingredientes necessários. A sentença tá lá. Joguinho de criança, vai! Preencha as lacunas: "Apaixonado por..." Só falta o objeto.  
 
O que era o outro nessa hora vira o algo. O objeto do não ter. A sua metade. Sua alma gêmea-siamesa. Complementar. Esse amor que se manifesta na falta, na necessidade é de um egoísmo reificante dos mais sutis. Ele se traveste da aparente necessidade de se doar, e transforma e aprisiona o outro na sua idéia de um amor necessário, arrebatador e insubstituível.


O outro passa a ter função específica. Papel de complemento. Suas peculiaridades, seu jeitinho de pessoa, suas estranhas belezas, sua doce contradição, não mais existem, a menos que sirvam a esse propósito. O seu amor se faz ferramenta da sua completude.

Felicidade construída e partilhada não cabe no amor-falta. E nesse caso não sobra muito espaço pra singularidade. Será que é mesmo necessário amar? Ou será que o necessário mesmo, é doar o amor. O sentimento mesmo, a quem puder e quiser receber. A alguéns inteiros. Alguéns sem função. Só porque é gostoso doar e receber amores. Porque as pessoas estão aí e são amáveis. Umas mais, outras menos, umas mais de perto, outras mais de longe... 
Um amor não de complementaridade mas de cumplicidade. Um amor um do lado do outro e um COM o outro.
A reciprocidade então seria optativa e voluntária. Ela viria como resultado natural de uma doação em sentido contrário. 
 E amor vindo de alguém inteiro é inteiro também. Sem lacunas.

E apesar de eu achar que é quase impossivel resistir a um amor assim, terão pessoas que não vão retribuir, ou aceitar esse amor. Alguns só vão receber. Outros só vão doar. E sempre terão aqueles que necessitam absorver e tornar o que amam uma parte de si mesmos pela posse. Num autoconsumo fagocitante emocional.

Essas talvez necessitem, de um outro tipo, marca ou modelo de amor. E bom, na modernidade mercadológica o que não falta é variedade. É so escolher.
 



Sunday, July 31, 2011

Como vai o seu amor?




A quantas anda seu amor ultimamente?

Tens conseguido amar como  gostaria? Quais são as cores e as coisas de que seu amor se alimenta?

Sei que podem parecer perguntas demais para um tópico já mais que cantado, falado, discutido, ruminado, mastigado, batido e misturado com álcool, limão e outras drogas.

Fato é que hoje, mais do que nunca, amor é bicho em extinção.

Não porque não existam muitos amores mais, ou porque não nasçam mais tantos como antigamente - tal como diriam os saudosistas -, mas porque andamos matando amores aos bandos, e aos cardumes. 

Veja bem, não digo que se trate de um genocídio amorístico puro e simples.
Cada amor é morto individualmente e a responsabilidade por essa morte é de excluvisa de seu algoz, seja ele quem seja.

O medo, o tempo -, ou a falta dele,- a tristeza, a morte física ou emocional, a imaturidade, a ausência, a paixão (geralmente por terceiros) ou a falta dela, não importa. Grandes multidões de amores são mortas todos os dias.

Isso sem falarmos dos amores natimortos.
Os pobres amores abortos, que não deixamos nascer e crescer, multiplicar em emoções tolas e palavras doces e inúteis...

É desses amoricídios e infanticídios que se alimenta a modernidade. Do medo e do ócio líquidos. Pobres e doentes entre o orgulho e a futilidade de que já não se envergonham os corações alucinados e vazios.

As armas inermes da falta de doação e de cuidado. Todo amor morre de falta.
E anda faltando muito. Falta coragem pra alimentar um amor.

E é de tanta dor

O tanto amor que nos falta.

Saturday, July 30, 2011

Mar e Folha

Vou mergulhar nesse espelho d’água
Brindar no cálice do sal da terra
Viajar em seu navio de prata
Yemanjá, madre pérola




Em meio ao mar de corpos em transe. Compasso alucinógeno de ondas de som e fúria.


Um Iroko altivo, cria de algum lugar de afora daqui. Caminhava e era mais cadência que aquele tecnoabsurdo dos corações dançarinos. Ele andava em samba, slow motion comopolita da pista.





Ao deparar-me com árvore frondosa em seu peito quando me abraçou sem aviso, tudo menor a minha volta emudeceu por um instante. Me colou os lábios aos dele e me sussurrou-sorriu que desejava se enroscar em meu cabelo. Suas mãos-galhos em minha cintura eram cadeias bandeiras brancas ao redor de meu corpo líquido e vertigem.




Naquela noite Homens-coruja, e homens-cão, mulheres-flor, homens-pássaro à mim pediram dom e bênção. Bênção, a um concedi breve beijo, beijou-me a flor, dom por duas vezes, porém, nada além pude por eles.


Eu água, leve e móvel, ainda que agitada pelo homem-terra não pude estar mais que alguns minutos junto à Kitembo-Virgo que me atava, fui-me fluida ao som da hipnose e dos espíritos que habitam os seres, em meu curso de maré.



Aquele, deu à mare seu tempo de volta. O tempo da maré se cumpriu me uni à gameleira finalmente no doce da alta, e não mais pude tirá-lo de mim.


Assim mãe-água levo comigo o vermelho do solo, levo meu Tempo fundido em mim.

O deus da folha já se entranha em minha alma, até que novas terras ou novas águas diluam o sal, ou até que a terra dessa bahia seja solo eterno a ser beijado na maré.

Zaratempô
Eh Tempo Macura Ilê
Eh Tempo Macura Tata

Tuesday, May 10, 2011

Joh and a Dark





- Joh, todo mundo me chama de Joh. É  de Joana, eu acho.
- E o que você faz Joana?
- Joh, eu prefiro Joh,doutor, tenho medo de Joana.
- O que você faz Joh?
- eu? Eu espero.
- como assim espera?
- Desde que eu nasci. Quer dizer... Antes de eu nascer. .. Eu esperei nove meses sabe... Pra nascer de verdade... nove meses...   Eu esperei... Desde sempre.
- E houve alguma vez em que foi difícil pra você esperar?
- Uma vez. O Alferes. Ele foi para a Guerra. Foram dez anos. Disse que quando voltava a gente casava.
- É. É difícil quando o amor nos faz esperar.
- Não. O amor não faz a gente esperar. As pessoas é que fazem.  
- É difícil esperar por alguém. Ele não voltou?
- Não voltou. Quem voltou foi a carta.
- Pensando assim, é verdade. O que dizia a carta?
- A carta diz que ele morreu.
- A morte é mesmo uma dura realidade.
- Não doutor. O duro é esperar o Alferes voltar, e voltar a carta.
- Mas e depois Joh, o que aconteceu?
- Depois? Bem, depois eu esperei.
- Esperou o que? Se o alferes não ia mais voltar?
- Aí foi o mascate. Meu pai achou que era uma profissão mais segura. E eu casei. Ele viajou pra vender. E eu esperei ele, quando voltasse da venda me levava. E eu esperei.
- Esperou quanto tempo?
- Ele ia e vendia, doutor. Depois voltava e me buscava. Passou um ano. Aí vendia menos. E voltava a vender.  Dois anos. Eu esperava.
- E você ficou aqui?
- Eu espero doutor. Estou ainda esperando.
- Mas Esperando o que Joh? Acha que ele volta?
- Não. Ele escreveu. Não volta mais não. Foi pra São Paulo. Tem família lá agora. Escreveu tem um ano.  De novo a carta veio e as gentes não. Não quer mais saber daqui.
- De novo a carta. E agora Joh?
- Agora eu espero.
- Mas Joh, isso a gente já entendeu, mas porque o pessoal daqui acha que você é assim especial?
- Bem... As pessoas acham... Bem elas acham que se você espera... Bem, e eu espero... Bom, Elas querem que eu ensine... que... bom, que você consegue alguma coisa, sabe... Elas querem conseguir... Querem que eu ensine... elas acham que é a tal da paciência...
- E você vai ensinar?
- Não posso, doutor... Espero meu filho. Meu filho crescer. Ele é o meu milagre doutor...
- Milagre, Joh. Explica essa história?
- O nome dele é Armagedon, doutor.  Eu ouvi. Nome bonito. Ouvi um dia doutor. Não sei onde foi. Nem quem me disse. Ouvi de alguém.
- Armagedon? Porque Armagedon?
-Porque ele vai acabar com toda essa espera doutor. Eu sei que vai.
E o repórter olha a senhora nos olhos, parece que ela escuta um canto que só a ela alcança e seu rosto resplandece de luz sobre as rugas profundas marcadas pelo sol do sertão.

Anfritrius











Severine corria e flutuava entre valerianas e mares de púrpura e dourado que cheiravam a chocolate e violetas e genciana que manchavam seus pés.
Acordei. A madrugada fria no escuro sob meus pés quando me levantei da cama. Caminhei sonambulamente até a cozinha, tudo por um copo de leite morno. Meu estômago doía do sexto café da tarde conturbada de trabalho.
Ao passar pelo banheiro um ruído de alegria noturna me tirou do torpor do sono roxo em que me encontrava. Acendi a luz do cubículo e demorei uns segundos para divisar as sombras borradas das coisas entres os azulejos brancos.

Nami, A Bela, agachada em uma postura brincante abanava a cauda feliz e sorridente. Alejandro, O Mau observava olhando de um lado para o outro entre frustrado e curioso.
Um rato-visitante se encontrava à frente dA Bela. O ser inerte, ainda quente, e ela tentava sem sucesso fazer com que o brinquedo voltasse a funcionar.
Entre impaciente e divertida espantei os brincantes. O fiz, não porque estivesse realmente brava. A Bela me olhava esperando o reconhecimento de seus talentos de anfitriã, que premiei com um afago rápido. Precisava  recolher o rato-corpo em um pequeno plástico branco que depositei na lixeira ao lado da cerca antes de voltar para meu sono de chocolate e mercúrio.   
Descartado o visitante, lavei cuidadosamente as mãos e me dirigi à cozinha. Meu estômago àquela altura necessitaria de dois litros de leite ou um antiácido. Antiácido, sim.

Voltei para a cama pensando em visitas inesperadas, não porque fossem muitas, mas porque talvez tivessem o mesmo destino do brinquedo-rato.
Pela manhã, saio para buscar o jornal. A Bela ao lado da porta me fitava com seus olhos dourados um tanto sonolentos da quentura boa do sol no capacho. Como vencera as telas nas janelas e as portas fechadas era um mistério.

Encaminhei-me para dentro e dei de cara com O Mau. Deitado no sofá, ronronava inocente enquanto brincava com as franjas da cortina.

Ao me desfazer do lixo do dia anterior. Olhei mais uma vez o saquinho contendo os restos do nosso hóspede da noite anterior. Me surpreendi com o meu sarcófago de prêmios felinos vazio. Revistei-o brevemente à procura de furos ou rasgos. Talvez um outro gato, ou o cão do vizinho. Nada.

O plástico parecia ainda mais branco e reluzente. Porém nada havia nele. O pequeno cadáver visitante havia desaparecido.

A Bela, agora ao meu lado, me fitava imperturbável com seu olhar cor de ouro velho.

Como soubesse tudo desde o início dos tempos. Lambia lentamente a pata direita. Cruelmente serena, voltou-se para a casa e pôs-se a marchar em direção à porta. No meio do trajeto, voltou-se para olhar para mim, numa interrogação firme porém suave. Por via das dúvidas, achei melhor obedecer!

Thursday, May 05, 2011

Elefante




Marco entra em casa espavorido. Marina ergue os olhos das contas sobre a mesa e tenta entender o que ele diz com voz atropelada. Ela consegue distinguir apenas a palavra Elefante.
 _Marina, Ganhei um Elefante!
 _Mas, Marco, um Elefante!?
 _É Marina, um Elefante Branco.
Marina se perguntava se aquilo era uma brincadeira, vasculhou a expressão de Marco procurando indícios da explosão de risos que viria a seguir. Nada. Marco continua com expressão extasiada com que chegara. E repetia que sempre quisera um Elefante, e seu sonho havia se realizado. 
O apartamento. Marquinhos dissera uma vez que queria um dinossauro para criar na varanda do apartamento, o que ele acharia do Elefante do pai? Marina pensava longe, lembrando de Marco dizendo que animais davam trabalho, sujavam as ruas, que não entendia como pessoas podiam ter bichos em apartamentos.
  _Marco, mas, um Elefante no apartamento? Nós mal temos espaço para nós e o Marquinhos...
  _Nós podemos colocá-lo na garagem Marina, pense Marina, um Elefante, só nosso, o Marquinhos vai adorar!
Passando os dedos displiscentemente pelas contas do supermercado sobre a mesa, Marina pensava em novos argumentos. Mas Elefantes não viviam assim em garagens, ele viviam em lugares próprios e faziam cocôs enormes e precisavam ser lavados. Quem iriam lavar o Elefante? O que será que um Elefante comia?
 _Marco, o que o seu Elefante come? Quer dizer, ele deve comer muito não? E quem vai cuidar dele? Agora com você fora da lanchonete não temos muito e...
 _Marina, É um Elefante, não vê? Daremos o que tivermos, o que sobrar da feira, daremos um jeito, quantas pessoas você conhece que ganharam um Elefante?
 Marina se levanta e guarda os remédios de Marquinhos no armário, ainda tentando pensar em um argumento que faça Marco não trazer seu Elefante para casa. Não que ela não quisesse que ele tivesse um Elefante, ele parecia tão feliz. Mas não parecia que ela pudesse cuidar de mais alguém.
 _Mas, Marco, Eles vivem em bandos não? Não vai ficar triste sozinho aqui? E se o vendêssemos para um circo? Lá tem muitos elefantes.
_Marina, por Deus, Marina, será que você não vê a oportunidade? Teremos um elefante. Nunca tive nada de meu. Agora tenho. Sempre quis ter um Elefante. Já contei que ele é Branco?






Saturday, March 12, 2011

APARTHEID - QUEM DECIDE ONDE VOCÊ PODE IR?



QUEM DECIDE QUEM VOCÊ PODE AMAR?




Era uma noite normal de sexta feira.

Quem me conhece sabe que eu adoro a Augusta. O clima de liberdade, o astral bom de todo mundo reunido, ver emos, homos, girls and boys, drags and queens, black and white sempre me fez pensar que independentemente de quão estranha fosse a natureza humana haveria sempre um local para dar vazão à essa necessidade básica: Expressão.

Até que na porta de um bar, meu melhor amigo rouba um beijo no mocinho tímido com quem estava flertando.
O tapa veio e nem sabíamos exatamente de onde.

Olhamos pro lado de onde partira a agressão, um homem branco, de seus vinte e poucos, vestindo roupas normais e boné vociferava juntamente com uma mocinha minúscula que clamava respeito por sua presença, e gritava que era um absurdo os garotos se beijarem ali, na frente 'deles'.

Primeira reação, perplexidade.
Em seguida, raiva. A discussão esquentou, eu estava absolutamente indignada. Foi esse tipo de mentalidade que colocou plaquinhas nos lugares dizendo onde negros não podiam entrar. Que impediu mulheres de votarem até quase mil novecentos e trinta.

Mas eles eram seis. Alguém disse pra relevar.Acabamos trocando de bar. O mocinho do flerte, assustado e dizendo: "É assim mesmo!".

Já num bar gay ouvimos o que mais me chocou: "O que vc esperava, lá é um bar hetero".
Onde é que estava a maldita placa que avisasse ao meu amigo para não demonstrar seu afeto ou do contrário justificaria ações de violência?

Onde é que estava a placa naquele mesmo bar, gay, onde eu, heterossexual por acidente do destino, fora em busca de compreensão com um amigo?

Me perguntei mil vezes onde estava o movimento GLBT, tão forte e atuante em tantas questões.
Onde estavam os protagonistas das paradas de orgulho?

Eu fiquei ali ouvindo, pasma, eles dizerem que meu amigo devia ter parado no lugar x e não y. Em nenhum momento a questão da inadmissibilidade da agressão foi levantada. A questão era o lugar. Qual era o lugar dos gays, e qual o lugar dos heteros.

Pessoas agora tem lugares que não podem mais frequentar? Qual era o lugar de alguém como eu que acha que pessoas são só pessoas?

E seguindo a linha simplista da categorização, todo hetero é violento e todo gay precisa se isolar no gueto?

Me perguntava qual das segregações é a pior, a de fora pra dentro, ou a que eles mesmos se impuseram...

Não sei se volto àquele bar, o hetero, não digo que não volto à Augusta, mas um dia temo encontrar plaquinhas only hetero, only black ,  only drag...

Mas a pergunta é, e o nosso direito de ir e vir?

QUEM DECIDE ONDE E QUANDO PODEMOS IR?

Monday, February 28, 2011

Marco do Fim do Começo




O meu marco tem rosto de pessoa
Tem ruínas de ruas e cidades
Tem muralhas, pirâmides e restos
De culturas, demônios, divindades:
A história de Marte soterrada
Pelo efêmero pó das tempestades









O nome deste post deveria ser o porque dizemos Amém.
A verdade é que tudo o que eu gostaria de saber nesse exato momento é porque sentimentos não podem ser exatamente o que são.
Porque não há espaço pro que não tem explicação.
Porque tudo tem que ser algo assim ou assado.
Não tenho todas as respostas.
Ama-se e ponto. E vírgula, e reticências.
Ama-se isso, e ama-se  aquilo um pouco menos.
Não, não sei o porquê.
Não sei por que o amor tem que ser assado e não cru.
Cru como somos todos nós.
Não sei por que não voltar atrás.
Tomar caminhos alternativos.
Senão um, que sejam outros.
Um tempo.
Dois.
Dizer que desse jeito eu não consigo, podemos tentar de outro?
Tá existe isso, mas E o aquilo?
Porque tudo tem que ser uma coisa só?
Porque algo tão intenso e cheio e nuances tem que ser resolvido de uma vez por todas
E uma única vez?
E foi preciso.
Mais uma vez, de forma crua
Que se dissesse
Que assim seja.